Última atualização em 24 de setembro de 2024 Jornalista RenatoGlobol
O Tecnofeudalismo Está Matando o Capitalismo e a Social-Democracia: Uma Nova Era de Poderes Digitais
Como o tecnofeudalismo está reformulando a economia global e colocando em risco a democracia moderna.
O Fim do Capitalismo Como Conhecemos?
O capitalismo, como o conhecemos, está se transformando em algo que muitos de nós ainda não compreendemos completamente. De acordo com o renomado economista Yanis Varoufakis, estamos entrando em uma era que ele chama de tecnofeudalismo, onde gigantes tecnológicos como Amazon, Google e Facebook estão exercendo um poder quase feudal sobre a economia e a sociedade. Mas o que exatamente significa tecnofeudalismo? E, mais importante, como isso afeta nossas vidas e o futuro da democracia?
Se essa ideia parece um pouco assustadora, é porque é. O capitalismo, que antes era impulsionado pelo lucro e pelos mercados, está sendo substituído por uma nova forma de acumulação de riqueza baseada em aluguel digital, ou como Varoufakis descreve, “renda de nuvem”. Neste artigo, vamos explorar o que isso significa e por que é algo com que todos devemos nos preocupar.
O Que É Tecnofeudalismo?
Yanis Varoufakis define tecnofeudalismo como um sistema econômico em que grandes corporações tecnológicas controlam não apenas o mercado, mas também os dados e a infraestrutura digital que sustenta a economia global. Ao contrário do capitalismo tradicional, onde o lucro era o principal motor da economia, no tecnofeudalismo, a acumulação de riqueza vem da “renda de nuvem” — o pagamento que fazemos pelo acesso a serviços digitais.
Pense nisso desta forma: antigamente, você comprava um produto, como um CD ou um DVD, e ele era seu para sempre. Hoje, pagamos pelo acesso a músicas e filmes por meio de plataformas como Spotify e Netflix. Não possuímos mais esses produtos; nós os “alugamos” de empresas que controlam o conteúdo digital. E o que parece uma conveniência moderna, na verdade, está nos aprisionando em um ciclo de dependência dessas plataformas.
A Era do Aluguel Digital
A transição de uma economia baseada em propriedade para uma economia baseada em aluguel é central ao tecnofeudalismo. Varoufakis aponta que, em vez de comprarmos produtos diretamente de produtores, agora dependemos de plataformas como Amazon e Google para nos fornecer tudo — desde produtos físicos até serviços essenciais. O problema? Essas empresas estão extraindo enormes quantias de renda de cada transação, sem necessariamente reinvestir no crescimento econômico ou no bem-estar da sociedade.
Por exemplo, a Amazon cobra uma comissão de até 40% sobre as vendas feitas em sua plataforma, sem produzir nada diretamente. Esse modelo de “renda de nuvem” significa que essas corporações ganham dinheiro enquanto dormem, acumulando riqueza sem a necessidade de reinvestir no crescimento ou inovação, diferentemente das empresas capitalistas tradicionais.
A Estabilidade Social em Risco
Agora, talvez você esteja se perguntando: “Se isso torna a vida mais fácil, qual é o problema?” Bem, o tecnofeudalismo pode parecer conveniente, mas, como Varoufakis argumenta, ele está minando a estabilidade social e econômica.
O Desaparecimento dos Mercados
No modelo capitalista, o mercado era o principal mecanismo para organizar a produção e o consumo. Os consumidores escolhiam produtos, e os produtores competiam para fornecer o melhor valor. No tecnofeudalismo, as grandes corporações tecnológicas estão eliminando os mercados. Em vez de comprar diretamente de um produtor, como no passado, agora você compra por meio de plataformas que controlam tanto o acesso ao produto quanto a própria recomendação de compra.
Plataformas como Amazon e Spotify estão moldando nossas decisões de consumo com base nos dados que coletam sobre nós. O que parece ser uma recomendação útil (“Você também pode gostar de…”) é, na verdade, uma forma sofisticada de controle de mercado. Essas empresas não estão apenas facilitando as compras; elas estão, de fato, criando o mercado e eliminando a concorrência.
Austeridade Permanente
Varoufakis alerta que esse novo sistema também está criando uma forma de “austeridade permanente” para a maioria das pessoas. Isso ocorre porque as empresas de tecnologia estão acumulando uma parte significativa da renda global sem redistribuir essa riqueza por meio de salários ou investimentos. De fato, gigantes como Amazon e Facebook pagam apenas cerca de 1% de suas receitas em salários, em comparação com os 85% das empresas capitalistas tradicionais, como General Motors ou Ford.
O resultado? Menos dinheiro circulando na economia real, o que leva a um aumento da desigualdade e à estagnação econômica. Como Varoufakis coloca, estamos presos em um ciclo de “trabalhos sem sentido”, onde as oportunidades de empregos significativos estão se esgotando, enquanto a riqueza se concentra nas mãos de poucos.
A Morte da Social-Democracia
Um dos pontos mais alarmantes do tecnofeudalismo, segundo Varoufakis, é que ele está matando a social-democracia. Durante o auge do capitalismo no século XX, os governos sociais-democratas conseguiram equilibrar os interesses dos trabalhadores e das empresas por meio de políticas como a redistribuição de riqueza e a criação de programas sociais, como o NHS no Reino Unido.
O Papel da Social-Democracia
Nos anos 1960 e 1970, governos sociais-democratas, como o de Harold Wilson no Reino Unido ou Willy Brandt na Alemanha, desempenharam um papel crucial na mediação entre sindicatos e corporações. Eles garantiram que uma parte significativa dos lucros capitalistas fosse destinada a salários e programas sociais. No entanto, no tecnofeudalismo, esse equilíbrio é impossível de ser mantido.
Como Varoufakis afirma, “a social-democracia está morta”, porque o tecnofeudalismo não permite mais esse tipo de negociação. As empresas de tecnologia não estão interessadas em acordos com sindicatos ou em redistribuir seus lucros. Elas simplesmente acumulam riqueza por meio de renda digital, sem qualquer responsabilidade social.
O Futuro: Resgatar o Capitalismo ou Abraçar Algo Novo?
Diante dessas mudanças, a pergunta inevitável é: devemos tentar resgatar o capitalismo? Ou é hora de abraçar um novo sistema econômico que possa lidar com os desafios do tecnofeudalismo?
Varoufakis é claro em sua resposta. Ele não é nostálgico pelo capitalismo, mas reconhece que o modelo atual de tecnofeudalismo é insustentável. Ele propõe uma nova forma de organização econômica que combine o melhor do capitalismo e do socialismo, com uma maior ênfase na democracia econômica e no controle comunitário sobre a tecnologia.
Uma Nova Revolução Digital?
Se queremos evitar os piores excessos do tecnofeudalismo, precisamos de uma nova revolução digital, uma que coloque o controle da tecnologia nas mãos das pessoas, em vez de nas mãos de poucas corporações. Isso pode incluir a criação de plataformas cooperativas, onde os usuários têm voz na governança e no funcionamento das empresas tecnológicas.
Reflexão Final: Um Novo Paradigma ou Mais do Mesmo?
O tecnofeudalismo está reformulando a economia global de maneiras profundas e, muitas vezes, invisíveis. À medida que dependemos cada vez mais de plataformas digitais, estamos entregando nosso poder econômico e político a um pequeno grupo de corporações que operam sem transparência ou responsabilidade.
Se não enfrentarmos esses desafios, corremos o risco de entrar em uma nova era de desigualdade e instabilidade política. Mas, como Varoufakis nos lembra, ainda há tempo para agir. O futuro da democracia e da economia depende das escolhas que fazemos hoje.
O tecnofeudalismo não é apenas um conceito abstrato; é a realidade emergente onde gigantes da tecnologia, como Amazon, estão tomando o lugar do capitalismo tradicional e moldando o futuro da economia e da política global.
Por: Renato Mendes de Andrade – Jornalista – MTB 72.493/SP