Cantico Negro

Cântico Negro é um poema de José Régio, pseudônimo de José Maria dos Reis Pereira. Foi publicado em 1926 no seu primeiro livro, chamado Poemas de Deus e do Diabo.

O “poema-manifesto” contém algumas premissas modernistas que ditaram a obra poética de José Régio e da geração presencista.

Cântico Negro
Vem por aqui” — dizem-me alguns com os olhos doces

Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui!”
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…

A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: “vem por aqui!”?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?…
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios…
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

Análise Contundente de “Cântico Negro” de José Régio: Um Manifesto Contra a Conformidade

Um Grito de Rebeldia:

“Cântico Negro” de José Régio ecoa como um grito de rebeldia contra a conformidade e a mediocridade. Publicado em 1926, este poema se ergue como um manifesto intransigente, um dedo em riste contra as normas e expectativas da sociedade.

Desprezando a Hospitalidade Falsificada:

O poema inicia com um convite aparentemente amistoso: “Vem por aqui”. Mas o eu lírico recusa essa falsa hospitalidade. Ele observa com desdém, ironia e cansaço – sentimentos que se traduzem no cínico cruzar de braços e na firme recusa de seguir o caminho imposto. A mensagem é clara: ele não tem tempo para os conselhos de quem vive uma existência insossa e previsível.

“Não Vou por Ali”: O Refrão da Insubordinação:

“Não vou por ali” é o refrão da insubordinação. O poeta não se interessa pelo conforto de seguir os passos alheios. Sua glória reside em criar “desumanidades”, viver à margem, romper com a tradição e rejeitar o caminho dos outros. Ele anseia por experimentar a vida em toda a sua brutalidade e beleza, sentir o sangue escorrendo pelos pés enquanto abre caminho por florestas virgens e becos lamacentos.

Repúdio às Normas e Valores Herdados:

O poema revela um desprezo absoluto pelas normas estabelecidas e pelos valores herdados dos antepassados. Régio repudia o “sangue velho dos avós” e a covardia daqueles que se agarram ao fácil. Ele exalta sua própria loucura como uma tocha na escuridão, uma chama que o guia através dos abismos e torrentes que ele ama.

Nascido do Amor entre Deus e o Diabo:

No auge de sua declaração, Régio evoca a união do divino e do demoníaco: “Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo”. Essa linha não apenas provoca, mas também é um soco no estômago do conformismo religioso. Ele não pertence a ninguém, nem a Deus nem ao Diabo, mas sim ao conflito e à dialética entre ambos. É dessa tensão que nasce sua poesia, sua individualidade e, ironicamente, sua própria existência.

Um Ser Caótico e Incontrolável:

O poeta se distingue dos demais, rejeitando piedosas intenções e definições. Ele é um vendaval, uma onda, um átomo animado – elementos caóticos e incontroláveis, símbolos de uma vida vivida sem compromissos e sem roteiros.

Ode à Anarquia Pessoal:

Régio não faz rodeios. Ele não busca aprovação ou simpatia. “Cântico Negro” é uma ode à anarquia pessoal, uma celebração da independência radical e da recusa em se dobrar aos desejos alheios. É uma rejeição feroz da banalidade e uma exaltação do indivíduo como único árbitro de sua própria existência.

Sem Ambiguidades ou Meias-Palavras:

Neste poema, não há lugar para ambiguidades ou meias-palavras. José Régio exige que sigamos nosso próprio caminho, mesmo que isso signifique caminhar sobre cacos de vidro. E, honestamente, ele não se importa se você acha isso desconfortável.

Um Tapa na Cara do Conformismo Social:

Na continuação de sua rebelião poética, José Régio coloca o dedo na ferida do conformismo social. Ele escancara a mediocridade daqueles que se contentam com a segurança das estradas pavimentadas e dos jardins bem-cuidados. Em contraste, sua existência é um vendaval indomável, uma força da natureza que recusa ser contida.

Amo os Abismos, as Torrentes, os Desertos:

Os versos “Amo os abismos, as torrentes, os desertos…” são um tapa na cara daqueles que buscam o conforto e a previsibilidade. Régio se deleita no desconhecido e no perigoso, preferindo os riscos e os desafios às certezas e facilidades. Para ele, a verdadeira vida está nos extremos, nas bordas da experiência humana, onde a dor e o êxtase se encontram.

Ligado ao Caos Primordial:

No clímax do poema, o poeta afirma sua ligação com o caos primordial, nascido do amor entre Deus e o Diabo. Essa afirmação não é apenas uma provocação teológica, mas uma rejeição total de qualquer tentativa de categorização ou controle sobre sua essência. Ele é um ser de contradições, de extremos, e é essa complexidade.

A Rejeição do Mapa e da Bússola: A Jornada Indeterminada

Autenticidade e Coragem Acima de Tudo:

A última estrofe do poema sintetiza a filosofia de Régio: “Não sei por onde vou, / Não sei para onde vou / Sei que não vou por aí!”. O poeta renuncia ao mapa e à bússola, abraçando a incerteza e a indeterminação. Sua jornada é marcada pela negação do caminho dos outros, pela rejeição de qualquer direção que não seja a sua própria.

O Valor da Autenticidade:

Régio deixa claro que o verdadeiro valor reside na autenticidade, na coragem de ser fiel a si mesmo, independentemente das consequências. Ele não se importa em parecer perdido ou sem rumo; na verdade, ele celebra essa aparente desorientação como a única maneira verdadeira de viver.

Um Manifesto Contra a Mediocridade:

“Cântico Negro” é uma poderosa afirmação da individualidade e da liberdade pessoal. É um manifesto contra a mediocridade e a conformidade, um grito de guerra contra tudo o que tenta domesticar o espírito humano. José Régio nos desafia a rejeitar o caminho fácil, a abraçar nossas próprias loucuras e a seguir nossos próprios passos, não importa quão solitários ou difíceis possam ser.

Uma Obra de Resistência:

Em última análise, “Cântico Negro” é uma obra de resistência. É uma recusa absoluta em ser definido ou limitado pelas expectativas dos outros. Régio nos incita a encontrar nossa própria voz, a traçar nosso próprio caminho, e a viver sem medo das sombras que inevitavelmente encontramos ao longo do caminho. O poeta nos convoca a ser intrépidos, a desafiar a norma e a nunca, jamais, ceder à comodidade do “vem por aqui”.

Um Legado Inspirador:

O legado de “Cântico Negro” é inspirador. O poema nos convida a questionar as normas, a desafiar o status quo e a perseguir a autenticidade em nossas próprias vidas. Régio nos lembra de que a verdadeira liberdade reside na coragem de sermos quem realmente somos, mesmo que isso signifique caminhar contra a correnteza.

Uma Obra Atemporal:

“Cântico Negro” continua relevante até hoje. Em um mundo cada vez mais homogeneizado e conformista, o poema de Régio nos oferece um lembrete crucial: a individualidade é preciosa, a rebeldia é necessária e a autenticidade é a única maneira de viver uma vida plena e significativa.

Um Poema que Transcende Fronteiras:

“Cântico Negro” transcende fronteiras geográficas e temporais. Sua mensagem ressoa com pessoas de todas as culturas e origens que anseiam por liberdade, autenticidade e autorrealização. O poema é um farol de esperança para aqueles que se recusam a se encaixar nos moldes da sociedade e que lutam por uma vida autêntica e significativa.

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por Renato Mendes de Andrade

 

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